9 de fev. de 2011

Tratamento da criança e do adolescente e imputabilidade: questões atuais.



Hodiernamente, sabe-se que a atual legislação, após longa evolução, optou em reconhecer a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, suplantando o obsoleto modelo preconizado nas antigas leis e códigos, que os consideravam meros objetos, propriedade de seus genitores, como um acessório que segue o principal, segundo a máxima do Direito Civil. Preferiu o antigo “Código Mello Mattos”, Decreto n° 17.943/27, tratar a criança e o adolescente como “menor”, limitando-se a designá-los pela idade e não pela característica pessoal diferenciada que é a peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, tratamento exigido pelo Princípio da Proteção Integral preconizado pela Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA).
                      Juntamente com o ajuste terminológico criança e adolescente, em contraposição a “menor”, o ECA inseriu em seu bojo normas jurídicas de total Proteção Integral[1], a estes e àqueles, sem exceção, em oposição ao Código de menores de 1979 (Lei n° 6.697/79), que tratava da doutrina da Situação Irregular, direcionada apenas para crianças e adolescentes delinqüentes e abandonados, limitando-se apenas a vigiar e punir os destinatários do regramento. A previsão do Princípio da Proteção integral apontou para a responsabilidade do Estado, da família e da sociedade[2] na luta pela preservação dos direitos e da dignidade de todas as crianças e adolescentes. Tal fato não foi inovação brasileira, mas sim a ratificação de uma tendência mundial de proteção integral a essas pessoas em condição especial. Exemplo disso foi a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada pela ONU em 1989.  O Brasil, acompanhando esse novo paradigma, elevou a proteção integral à criança e ao adolescente à norma Constitucional[3].
                      Conforme preconizam, equivocadamente, todavia, ao contrário de uma visão enganosa formada a partir do senso comum que vê na lei apenas normas de proteção, o ECA, além de garantir direitos não deixou de tratar da hipótese de a criança e do adolescente se desviarem da normalidade indo em direção à margem das regras. Para estes casos, previu mecanismos aptos a corrigirem a conduta infratora[4] a fim de que à essas crianças e adolescentes fossem dirigidas medidas adequadas, eficazes e suficientes às suas necessidades tendo em vista, sempre, a peculiar condição de pessoa em desenvolvimento. O parâmetro utilizado para o tratamento do menor infrator deverá ser sempre o Princípio da Proteção Integral, como critério decisório.  
                      Ponto crucial que envolve o tema é a questão da imputabilidade penal da criança e do adolescente. Nos anos quarenta, com o advento do Código Penal[5], a referida imputabilidade passou a recair sobre aqueles que tinham até dezoito anos incompletos, o que foi incorporado na Constituição de 1988[6] e no ECA em 1990[7]. Esse critério é adotado pela maioria das legislações estrangeiras, tendo sido recomendado pela ONU[8]. Isso foi sobremaneira importante, pelo fato de que encerrou com o critério do discernimento[9] adotado pelo Código Criminal do Império em 1830, com algumas variações nas leis posteriores, sendo retirado do ordenamento brasileiro por meio da Lei n° 4.242/21[10].
                      O autor Gersino Gerson Gomes Neto, após reiterados estudos e análise sistêmica da Constituição Federal, concluiu que a imputabilidade penal ao menor de dezoito anos tem natureza de cláusula pétrea[11].
                      O doutrinador iniciou sua análise a partir do artigo 60, § 4°, IV, CF/88, que diz que os direitos e garantias fundamentais não poderão ser abolidos por emenda à Constituição, constituindo o que a doutrina constitucional define como limitações materiais ao poder de reforma. Ainda na Constituição da República, o artigo 5°, § 2° prevê que os direitos e garantias individuais e fundamentais não estão restritos ao seu rol que é, portanto, exemplificativo. Deste modo, entende-se que a Constituição pode elencar ao longo de seu texto direitos fundamentais individuais, e, ainda, pode reconhecer como direitos fundamentais aqueles oriundos de tratados ou convenções internacionais dos quais o Brasil seja signatário. Consideradas tais premissas infere o supracitado jurista, que o conteúdo do artigo 228, da CF/88, é imutável. Logo, o que se tem nas linhas do artigo mencionado alhures é uma garantia individual, concernente a cada um dos menores de dezoito anos, o que pode ser equiparado ao artigo 5°, XLVII, CF/88, que veda as penas de banimento, de morte, cruéis, perpétuas ou de trabalho forçado a todos os cidadãos imputáveis penalmente e que visa precipuamente o respeito à dignidade da pessoa humana. Deste modo, o autor pretende esclarecer que tanto o preceito essencialmente fundamental, que é o caso do artigo que prevê a vedação de penas indignas (art 5°, XLVII, CF/88), quanto o disposto no caput do artigo 228, CF/88, previsto fora do capítulo especial, são da mesma natureza, quer dizer, são e devem ser igualmente tratados como garantias individuais e, via de conseqüência, imunes a qualquer modificação tendente a reduzir a abrangência dos direitos fundamentais por meio de emenda à Constituição, haja vista serem cláusulas pétreas.
                      Lado outro, em não se adotando tal perspectiva deverá ser considerado o fato de que a criança e o adolescente infratores não terão seus problemas e desvios sanados, sobretudo, a pretensão socioeducativa não será exitosa apenas com a diminuição da maioridade penal e com a conseqüenteprisão” quando do cometimento de ato ilícito, tendo em vista o atual sistema carcerário (se considerássemos a prisão do menor). Mister salientar que a responsabilidade em relação à criança e ao adolescente não é só do Estado, conforme elucidam os artigos 227, da Constituição Federal e o artigo 4º, do ECA. Portanto, o discurso da diminuição da maioridade penal só atinge ao Poder Público que, compartilha a responsabilidade com a família e a sociedade, pelo cenário de delinqüência atual. É preciso que sejam discutidas também maneiras que sejam hábeis para intervir no aumento dos atos infracionais, meios estes que partam da iniciativa dos outros co-responsáveis elencados na Constituição pela não violação dos direitos da criança e do adolescente, quais sejam, a família e a sociedade.


[1] Art 1º, do ECA
[2] Art 4º, do ECA
[3] Art 227, da Constituição de 1988
[4] Art 103, do ECA
[5] Art 27, do Código Penal
[6] Art 228, do Constituição de 1988
[7] Art 104, do ECA
[8] Seminário Europeu de Assistência Social das Nações Unidas de 1949, Paris
[9] Previa que só haveria sanção se o menor tivesse obrado com conhecimento do que fazia
[10] PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da Criança e do Adolescente Uma Proposta Interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1999,  pp
[11] GOMES, Gersino Gerson Neto. A Imputabilidade Penal com Cláusula Pétrea. Disponível em: . Acesso em: 20 dez. 2010.

Por: Dc. Grazielle Adversi